quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O Que é Deus?



Saudações a todos,

Para responder essa pergunta, tecerei alguns comentários sobre a ideia de Deus, provavelmente uma das ideias mais antigas e complexas já concebidas pelo homem, e ao mesmo tempo uma ideia que considero intuitiva.  Com isso quero dizer que não devemos somente utilizar a razão para tratar de um conceito tão complexo como este (ou tão simples, depende do ponto de vista), há necessidade de uma outra fonte de conhecimento, reconhecida amplamente pela visão mística: a intuição.

E o que é a intuição? É um estado de consciência em que há um surgimento repentino de uma ideia, uma imagem, uma percepção qualquer, que imediatamente associamos a uma “verdade pessoal”, ou seja, é um momento em que “cai a ficha”, em que percebemos, sem raciocinar, algo autêntico, que não colocamos em dúvida.  A intuição é mais frequente do que parece em nossas vidas, e ocorre no dia a dia, normalmente nós nem percebemos direito, e nem damos atenção.  Porém, ela pode ser desenvolvida, com a devida atenção e estímulo (por exemplo, com exercícios de meditação), e se tornar uma importante fonte de conhecimento, que, aliada á razão e ao senso crítico, traz o que chamamos de “sabedoria” para nossas vidas.

Voltando a Deus, não acredito que Deus possa ser comprovado ou demonstrado em termos puramente racionais, como não acho muito útil ter somente uma impressão difusa do que seja Deus, algo como “sinto Deus em mim”.  Não tenho nenhuma pretensão de definir o que seja Deus, ou quais são as qualidades de Deus – algo na linha de “Deus é amor”, “Deus é fiel”, ou coisa parecida.  Mas acho útil passar algumas visões alternativas de Deus, que são interessantes – daí você poderá escolher qual a que mais se identifica com você. 

Vamos então a algumas visões alternativas de Deus, de forma bastante resumida:
- Animismo – Deus natureza: Deus está presente em cada objeto ou ser desse mundo, vivo ou não, e esses seres seriam “manifestações” de Deus.  Ele seria uma espécie de “essência sensível” no interior de cada ser, que animaria os seres vivos, e promoveria as transformações nos objetos inanimados.
- Politeísmo - Deus múltiplo: Deus se divide em vários aspectos, e cada um de seus aspectos rege um determinado “compartimento” do mundo, tanto na natureza como na vida humana (o mar, os negócios, a guerra, etc.).  Pode-se também pensar que existem múltiplos deuses, com alguma hierarquia entre eles, mas eles normalmente se relacionam entre si, formando um sistema social único, o que torna essas duas concepções equivalentes em essência.
- Deus gnóstico: Deus, um ser absolutamente inacessível a nós e ao nosso mundo físico, criou um outro ser, chamado “demiurgo”, que realizou a criação do mundo em seu nome e administra o mundo desde então.  Essa ideia concilia a questão de que Deus é perfeito, mas o mundo a nossa volta é imperfeito – isso ocorreria porque o demiurgo não é Deus, não sendo perfeito.
- Deus pessoal: Deus é um ser à imagem e semelhança do homem (pode-se também pensar no contrário, que é o mais comum), tendo “razão”, “emoções”, “consciência” e podendo interagir de forma pessoal com cada ser humano – ele é o criador e administrador direto do mundo.  Essa ideia encoraja um relacionamento mais próximo de Deus, trazendo-o para nosso dia a dia, como o “melhor amigo” de nós.  Uma ideia derivada dessa é de que existem “mensageiros de Deus” – anjos, mestres, santos, avatares ou outro nome – que se comunicam pessoalmente conosco em nome d’Ele.  Por essa ideia, Deus seria assessorado em seu governo de mundo por esses seres, que se encarregariam da comunicação direta.
- Deus impessoal científico: Deus é simplesmente uma ideia abstrata perfeita, uma “ordem universal” que tudo criou e administra o universo por meio de leis impessoais, acessíveis à mente humana por meio da ciência.  Essa concepção busca uma “imagem racional” de Deus, sem emoções, sendo comum entre cientistas que estudam a natureza, em que, ao se depararem com realidades simplesmente incríveis, deduzem haver uma “inteligência maior” por detrás do universo físico.
- Panteísmo – Deus energia: Deus é um ser abstrato, presente em todo o universo, como uma energia infinitamente sutil, imperceptível em termos físicos, sendo o universo uma espécie de “energia condensada” de Deus.  Essa energia tem seu aspecto racional (leis cósmicas) e emocional (amor cósmico). Essa concepção é a que melhor se harmoniza com as ideias de onipresença, onipotência e onisciência frequentemente associadas a Deus, e muitas vezes está associada à idéia de “mensageiros de Deus” já citada, o que aproxima Deus da condição humana.
 
Ao se observar com atenção essas visões, pode-se obter, com a ajuda da intuição, um ponto de convergência geral, uma visão unificada, em que Deus, por ser uma ideia inacessível à mente humana, sempre se apresenta de forma parcial.  Em outras palavras, cada definição acima mostrada focaria em um determinado aspecto de Deus, e não se oporia a nenhuma outra definição – seriam visões complementares, e não opostas.  Uma analogia interessante seria a de Deus como um diamante de múltiplas faces, sendo que cada definição está descrevendo uma face, focando em um ou mais atributos divinos, sem a visão do todo.

É interessante notar que a forma como nos relacionamos com Deus tem pouca influência na aceitação da visão mística de mundo.  Pode-se imaginar ou sentir Deus de diversas formas, e mesmo assim ter a mesma visão essencial de mundo, baseado em alguns princípios místicos básicos em comum.  Isso ocorre porque nosso relacionamento com Deus é pessoal, de foro íntimo, um componente de nossa personalidade, e como tal deve ser respeitado em sua singularidade.  Mas as ideias místicas tem aceitação geral por todos os que compartilham a mesma visão, independentemente do seu relacionamento pessoal com Deus. 

Para não haver conflitos devido a essa multiplicidade de visões, deve haver tolerância e respeito entre as pessoas, valores que considero essenciais em qualquer relacionamento humano, e que devem fazer parte de uma verdadeira visão mística de mundo.  Infelizmente não é o que se vê no mundo atual, em que guerras religiosas continuam devastando vidas e países.




Devo ainda dizer algumas palavras sobre a relação entre Deus e o homem.  Todas as ideias apresentadas compartilham o fato de que Deus é anterior ao homem e criou todo o universo, incluindo o próprio homem – Deus é o criador e o homem a criatura.  Mas há uma outra maneira de ver a questão, que distingue “Deus em si” e “ideia de Deus”.  Por essa distinção, nós só podemos alcançar a compreensão da “ideia de Deus”, que seria algo associado a Deus, mas não “Deus em si”, esse sim inacessível à razão humana.

Deve-se notar que todas as “ideias de Deus” listadas acima são frutos da mente humana, ou seja, são “criações” do homem.  Poderíamos então dizer que “Deus em si” criou o homem, que por sua vez criou a “ideia de Deus”, para atender seu interesse e impulso fundamental de busca de felicidade – em minha opinião, essa ideia é realmente útil nessa busca.  E essa “ideia de Deus” passa a ser um componente fundamental de sua personalidade, atuando para dar-lhe o necessário equilíbrio e harmonia em seu dia a dia, especialmente nas situações de crise.  Porém, deve-se reconhecer que, por mais abstrata que seja a “ideia de Deus” criada, ela nunca seria “Deus em si” – podemos nos aproximar, mas nunca chegar lá. 

Uma forma de se aproximar de Deus é por meio da “experiência mística”, vivida em momentos especiais, normalmente em estados meditativos, ou sob o efeito de emoções extremas – situações de quase morte, por exemplo.  Nesses rápidos momentos, se poderia “sentir” Deus e ter uma ideia mais intuitiva a seu respeito, mas mesmo assim isso não seria “Deus em si”. 

Existe ainda a possibilidade de um contato mais íntimo com Deus, privilégio de pouquíssimas pessoas na história da humanidade.  Esse “estado de Deus” só poderia ser alcançado após muitos esforços, com grande mérito, e consistiria em uma vida em plena conformidade com Deus, em plena comunhão com Deus.  Essa é a experiência raríssima da “iluminação”, em que a pessoa já está bem mais próxima de Deus, e para todos os efeitos práticos já tem a felicidade como um estado dinâmico e permanente.  Mesmo assim, podemos afirmar que essa pessoa não descobriu ainda “Deus em si”, pois esse não é acessível à mente humana, mesmo à mente de um iluminado – mas isso não é nem um pouco relevante, em termos práticos, na vida dessa pessoa, já que ela já teria alcançado o grande objetivo que temos nesse mundo, que é ser feliz.

Assim, pode-se concluir que a pergunta “Quem é Deus?” é impossível de ser respondida totalmente, tal como a pergunta “Quem sou eu?” Isso pode parecer frustrante a princípio, mas é esse fato que nos faz sempre ter a curiosidade de descobrir algo mais, que nos move em busca de mais conhecimento, da verdadeira sabedoria.  Essa busca é dinâmica, sendo um dos grandes motivos de estarmos vivos nesse mundo – a vida é, entre outras coisas, uma grande oportunidade para prosseguirmos nessa caminhada.  Se pudermos chegar a um fim, qual o sentido de prosseguirmos vivendo?

Saudações fraternas.





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